terça-feira, 26 de agosto de 2014

Responsabilidade Civil do Estado no direito brasileiro





Compreender o que significa a responsabilidade do Estado, bem como identificar em que situações este mesmo Estado deve assumir responsabilidade perante um particular que utiliza bens, serviços e políticas públicas, garante aos particulares a defesa de seus direitos e, principalmente, o ressarcimento de eventuais prejuízos que lhes sejam ocasionados.

Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro,

“quando se fala em responsabilidade do Estado, está-se cogitando dos três tipos de funções pelas quais se repartee o poder estatal:  a Administrativa, a Jurisdicional e a Legislativa.

Fala-se, no entanto, com mais frequência, de responsabilidade resultante de comportamentos da Administração Pública, já que, com relação aos Poderes Legislativo e Judiciário, esta responsabilidade incide em casos excepcionais."

Entende-se responsabilidade dos atos da Administração Pública por Responsabilidade Civil do Estado.

De acordo com Francisco Bueno Neto

“a responsabilidade civil é a que se traduz na obrigação de reparar danos ao patrimoniais e se exaure com a indenização. Esta responsabilidade é sempre civil  e de ordem pecuniária. “

Como obrigação meramente patrimonial, a responsabilidade civil independe da criminal e da administrativa, com as quais  pode coexistir sem, no entanto, se confundir.

A responsabilidade civil do Estado é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. Difere, portanto, da responsabilidade contractual ou legal.

O dano a que o Estado responde é causado por meio de seus agentes, sendo que agente não é exclusivamente um servidor público, mas sim toda pessoa que estiver a serviço do ente estatal, independente do pagamento de contraprestação por este.

Tipos de responsabilização

A responsabilização estatal pode ser subdividida em Contratual e Extracontratual.

A responsabilidade Contratual trata das relações negociais de direito privado, regida por princípios administrativos e fundada nos casos de inadimplemento de obrigação.

Já a responsabilidade Extracontratual surge de qualquer atividade exercida pelo Estado, independente da pré-existência de um contrato.

A responsabilidade extracontratual pode decorrer de atos ou comportamentos, lícitos ou ilícitos, que causem danos ou ônus a um particular, maior do que os suportados pelo resto dos administrados.

Responsabilidade Aquiliana

A responsabilidade civil extracontratual é também denominada Responsabilidade Civil Aquiliana, termo proveniente da “Lex Aquilia de Damno” do século III a.C, que fixou os parâmetros do dever de indenizar.

Os elementos estruturais para se definir a responsabilidade aquiliana são:

A – Ação ou Omissão
B – Culpa ou Dolo do agente
C – Relação de Causalidade
D – Dano

A Ação ou Omissão resultante da conduta humana pode gerar prejuízos a outrem.

A conduta positiva representa o agir, o fazer de um indivíduo (dolo); já a conduta negativa, comumente chamada de Omissão, advém de um ato voluntário em que o agente simplesmente deixa de agir, ou por negligência, por imprudência  ou imperícia (culpa).

A omissão só constitui uma obrigação de reparar quando a ação era imprescindível para o impedir o dano; o agente tinha o dever jurídico de praticar determinado ato ou o agente  realizou  o ato de forma negligente, imprudente ou com imperícia trazendo transtornos ao particular.

Para haver dano deve haver correspondência entre a causa e o evento danoso. É o que se chama de “Nexo de Causalidade”.

A responsabilidade civil do Estado para existir depende do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado, além disso é indispensável a prova dessa relação de causalidade.

Por fim, sem dano, não existe responsabilidade.

Responsabilidade civil do Estado na legislação brasileira

A CF1824, em seu artigo 178, declara que:

“os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e, por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos.”

A CF1891 repete o mesmo texto, atribuindo responsabilidade exclusiva ao agente público.

A responsabilidade civil do Estado tomou maior importância a partir do Código Civil de 1916, em seu artigo 15, que ditava:

“aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar o direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. “

Esta codificação adotou claramente a teoria civilista da responsabilidade subjetiva do agente. O Brasil nunca adotou a teoria da irresponsabilidade estatal.

A CF1934, em seu artigo 171, assumiu o princípio da responsabilidade solidária entre o Estado e o agente público, decorrente de casos de negligência, omissão ou abuso de poder no exercício de seus cargos.

Apenas em 1946, a Carta Magna mudou esse posicionamento, vindo a acolher a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, com a seguinte redação:

“as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.” (art. 194)

Modernamente, a CF1946 ainda trouxe a possibilidade de ação regressiva contra os agentes causadores de dano, em caso de identificação de culpa destes.

A CF1988 trata da materia da responsabilidade civil do Estado, em seu artigo 37:

“a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também seguinte:

§ 6 – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. “

Neste dispositivo constitucional, são elencadas tanto a responsabilidade objetiva do Estado quanto a responsabilidade subjetiva do agente.

Responsabilidade Objetiva e Subjetiva

Em relação à responsabilidade objetiva, o Estado responde independente de prova de sua culpa ou dolo, sendo necessária somente a comprovação do dano causado ao particular.

O dano suportado pela vítima deve ser originado da prestação (ou falta da prestação) do serviço público,  sendo necessário ser estabelecido nexo causal, bem como ser causado por agente público – podendo ser agente politico, administativo ou particular em colaboração com a Administração Pública , independente do recebimento de contraprestação pela Fazenda Pública.

O instituto do direito de regresso, especificado na segunda parte da norma (art.37), é uma faculdade do Estado de reaver os valores que eventualmente tenham sido indenizados ao particular vitimado pelo dano.

A demanda regressiva, para que o agente indenize o Estado pelos danos que suportou em seu nome, só é possível  quando houver comprovação da culpa do agente na efetivação do dano, e, neste caso,  caracterizando responsabilidade subjetiva.

Sem a comprovação da participação do agente no prejuízo causado ao particular, o Estado deve assumir sozinho toda a responsabilidade.

Causas excludentes e atenuantes da responsabilidade civil do Estado

Para que seja configurada a responsabilidade do Estado, deve-se verificar a conduta do lesado na ocorrência do dano.

Se a vítima em nada participa nas causas do dano, o Estado assumirá toda a responsabilidade.

No entanto, se houver participação do lesado na causa do dano, a indenização devida pelo Estado deverá ser reduzida conforme o grau de sua participação, em aplicação do sistema de compensação de culpas, originário do direito privado, sendo a culpa concorrente, uma causa atenuante da responsabilidade do Estado.

Se o particular lesado for o único causador do dano (culpa exclusiva), está-se diante de um caso de autolesão, o que isenta totalmente o Estado da obrigação de reparar, sendo portanto causa excludente de responsabilidade.

Outro fator importante para determinação de responsabilidade do Estado é a observância de nexo de causalidade entre a conduta do agente no exercício de suas funções e o dano ou prejuízo ocasionado à vítima.

Quando não existe o liame subjetivo ou este é interrompido, incide causa excludente de responsabilidade, sendo causas enumeradas pela doutrina e construídas firmemente na jurisprudência:  força maior, culpa da vítima e culpa de terceiro.

Contudo, esta regra apresenta exceção, no caso de omissão do Estado.

Se ocorrer motivo de força maior, mesmo assim o Estado poderá ser responsabilizado, nos casos em que, por exemplo, tenha se omitido em realizar um serviço público.   

Por exemplo, os danos decorrentes de uma enchente com comprovação de que o Poder Público tenha sido omisso na realização de obras de limpeza de bueiros, vindo a amplificar os efeitos da enchente.

O Estado também poderá ser responsabilizado nos casos de atos de terceiros, notadamente nos atos de multidões, quando, por exemplo, houver omissão de sua parte em resguardar o patrimônio particular.

Tipos de danos indenizáveis pelo Estado

Em termos de responsabilidade civil do Estado, o entendimento dominante na jurisprudência tipifica 3 danos indenizáveis: 

A – Dano Material ou Patrimonial
B – Dano Moral
C – Dano Estético

Danos Materiais

Os Danos Materiais são aqueles prejuízos ocasionados ao patrimônio corpóreo particular.

Estes danos materiais, por sua vez se subdividem, segundo a classificação do Código Civil (art. 402) em: danos emergentes (danos positivos) oulucros cessantes (danos negativos).

Os danos emergentes representam o que efetivamente se perdeu, o prejuízo imediato, como os danos em um veículo particular ocasionados por acidente com um veículo da Administração Pública.

Já os lucros cessantes dizem respeito ao que o particular, vítima do acidente, deixa de lucrar em decorrência do dano provocado.  Como no exemplo do acidente de carro, haveria lucros cessantes caso o particular envolvido fosse um taxista transitando com seu veículo de trabalho.
      
Danos Morais

Dano Moral é “qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária. Abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua tranquilidade ou segurança, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, às suas afeições, etc.” (Traité de La Responsabilité Civile, in Caio Mário da Silva Pereira, Ed. Forense, 1989).

Danos Estéticos

Os danos estéticos podem ser compreendidos como alteraçõe físicas ocorridas em uma pessoa em decorrência de ato ou fato imposto por outrem.

O dano estético é aquele que pode ser notado fisicamente, uma deformação vista a olho nu. Já o dano moral atinge o âmago íntimo do indivíduo, muitas vezes não pode ser apresentado ou percebido sem a disposição daquele que o suporta.

Conclusões

No decorrer da história, foram desenvolvidas várias teorias sobre a responsabilidade civil do Estado.

Até o século XIX prevaleceu a Teoria da Irresponsabilidade, característica dos Estados Absolutos e que determinava que havia uma separação entre o soberano e seus súditos, de tal forma que o Estado estaria isento de culpa ou dolo e que não deveria reparar nada.

Com a queda dos regimes absolutos, as teorias que se seguiram gradativamente introduziram responsabilidade ao Estado, sendo esta inicialmente subjetiva, sobre os agentes do Estado, dependendo de culpa ou dolo; posteriormente foram aplicadas responsabilidades objetivas ao Estado.

No Brasil, com a evolução da doutrina e da jurisprudência, a CF1988 confirmou a responsabilidade civil objetiva do Estado brasileiro, em seu artigo 37, pelos atos de seus agentes que causem danos a terceiros.

Com a crescente demanda de prestação de serviceos públicos, o Estado passou a atribuir a prestação de serviços a pessoas jurídicas de direito privado (prestação indireta), por meio de concessões, permissões e autorizações.

Pore star representando o ente estatal, estes tipos de empresas privadas, delegatárias de serviços públicos, passaram a ser questionadas quanto à responsabilização perante particulares.

O STF decidiu por responsabilizar estas empresas delegatárias pelos eventuais danos causados aos usuários e, mais recentemente, a jurisprudência consignou pela responsabilização objetiva destas mesmas perante os não usuários.

A questão da responsabilidade civil do Estado é aplicada no direito brasileiro de forma objetiva, no entanto há algumas causas que a excluem, exonerando o ente público do cumprimento da obrigação para com o particular.

Tal assunto apresenta relevância por envolver o cotidiano dos cidadãos, que sofrem prejuízos materiais, morais e até estéticos pela atuação estatal, o que resta demonstrado pela evolução dotrinária e jurisprudencial.    


            2 Âmbito Jurídico 

   

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